fico pensando em te dizer palavras bonitas como seus dentes pequeninos. não consigo. fico tímida. você me intimida. não de um jeito que dá medo; me desafia, os sentimentos sempre na ponta dos dedos mas escondidos, intocados. estendo a mão e você a afasta com um sorriso, uma virada de cabeça, uma mexida nos cabelos. olhando de baixo pra cima, porque sabe que seu olhar é grande. enorme. olhos profundos, dança das águas. enxergo seus olhos como enxergo seu coração, como quem olha a superfície de um rio e não consegue mensurar o que há no seu leito. água que corre fugaz. você derrama seu brilho, réstia dourada suspensa no ar, suave. se aperto os olhos consigo distinguir as arestas, as pontas, o que não se deixa caber no oculto. você transborda, não cabe, não se conforma, se espalha e preenche. água limpa e fresca, gelada ao toque. você passa e nem me olha mas eu olho pra você. te vejo, de longe, de banda, na borda da íris. algo que lampeja, você se enviesa, deixa uma verdade escondida escorrer para longe. é costume, você diz. faço que sim com a cabeça. entendo, eu digo. e estendo a mão mais uma vez. não é que eu queira desfazer os seus nós, mexer nas suas pedras: só quero sentar ao seu lado.
(escrito para Beatriz Aqualtune em 30 de novembro de 2017, durante a produção de Amor de Ori)